Publicado por: atomenor | janeiro 2, 2011

promessas

Promessas

Talvez eu possa dizer essas coisas de uma maneira mais fácil, talvez nem tudo seja feito de metáfora, deus do céu, como me detestam as regras, os lírios e os sonhos, como me detestam, como me detestam.. Talvez eu só precise de um pouco mais de gelo, quebrar os vidros, rasgar os olhos pra nunca mais ver… Hoje olhei pela janela, silenciosos olhos de neblina, você pode vê-los agora?  Então, me senti cansado, cansado de não conseguir dizer isso tudo que eu tento dizer agora, sobre essa coisa que não sei definir e que me amortece os pulsos e sufoca os pulmões, respiro fundo, prendo o ar e solto lentamente enquanto nossos lábios navegam, cansado de não conseguir dizer absolutamente nada, nada além do que é mais simples, mais tangivel e claro, é claro que nunca vou conseguir dizer muito além disso, finalmente a janela me olha de volta e desconfiamos um do outro, lá fora as sombras se multiplicam.
Preciso abrir a porta, você acabou de chegar.

(B.G)

It is the summer of my smiles
Flee from me keepers of the gloom
Speak to me only with your eyes
It is to you, I give this tune
Ain’t so hard to recognize
These things are clear to all from time to time
[…]
Upon us all, a little rain must fall.

Led Zeppelin

Publicado por: atomenor | dezembro 2, 2010

Manhã qualquer


Munch


Manhã qualquer

Brinco com os teus brinquedos
No sofá rasgado pelas brasas
Já é o terceiro que acendo
E me dói respirar essa fumaça
Cecília estava sendo desonesta
É tudo que os vizinhos falam –
Esperei de mãos vazias as promessas
E o ano se tornou bicentenário
Na quinta chega minha entrega
Estou no apartamento à passeio
A TV vai exibindo os comentários
Dos reis engravatados num cortejo
Faltei todas as aulas do semestre
Esqueci de visitar minha mãe segunda
De manhã é o café que esfriou
Na xícara, têm restos de batom
E os carros se aglomeram pelas ruas
Acho que estou caindo na rotina
Quem sabe é só farinha na retina
A janela que quer ser um trampolim –
Pisco os olhos pra esquecer o que não vi:
Cecília foi embora
levou meu travesseiro
E agora já não posso mais dormir..

(B.G)

Publicado por: atomenor | junho 23, 2010

temporal

Rob Gonsalves



Onde fui, pude ver
O sofrimento
que os olhos negam
A paz sínica do céu
Que sangra no papel do verso
– metáforas –
Que me perseguem
Enquanto permaneço
Em equilíbrio
O vento, poesia
Que pesa
Palavra
Em livre-arbítrio.
(BG)

O quarto 23

Havia luz no quarto 23
Era como a gota de chuva numa vidraça
Ou o sol caíndo no chão
Havia luz no quarto 23
Era como o eco de um monólogo
E era sem conclusão
Era como uma noite sem lua
Como uma vida sem som
Havia luz no quarto 23
Muito pouca, na verdade
Mas era possível ver…
Alí ninguém tinha sombra
Alí ninguém tinha cor
Todo mundo tinha luz
Mas a luz
Era só dor.
(BG)

“Nas calçadas pisadas
de minha alma
passadas de loucos estalam
calcâneo de frases ásperas
Onde
forcas
esganam cidades
e em nós de nuvens coagulam
pescoço de torres
oblíquas

soluçando eu avanço por vias que se encruzi-lham
à vista
de crucifixos
polícias”
(Vladmir Maiakóvski)

[…]

 

Publicado por: atomenor | junho 20, 2010

um pouco mais

É..

Faz um pouco de frio aqui dentro. Do que eu sonhava, só sobrou o velho caderno, poucas páginas em branco, é claro. Na capa, as marcas redondas – vodca e café – Me pergunto onde fora parar a função lírica posteriormente designada aquele labirinto de versos e sussurros desesperados e, não encontrando a resposta, apenas sigo completando as páginas, para que, mais tarde, quando nem o caderno, nem as marcas, nem os labirintos, nem os sussurros, nem a vodca, nem o café fizerem sentido, os sonhos ainda estejam lá. E assim, sigo em frente, meio vivo meio morto, metáfora do caderno castigado, onde cada página em branco representa um sonho novo, pronto para ser sonhado e cada página escrita reflete algo que ficou, faltou ou jamais foi. Espelho de eufemismos, janela de epifanias.
(BG)

Era
tanto
vazio
Que
vazou
fria
Noite
E
Fraturas
– Noite
adentro –
Tantas
Quantas
Cabem
Numa palavra
Linhas
Laços
Era
Tanta
Parte
Tanto pedaço
Tanto
Lírismo
Peso
E fado
Que
Empilhou tudo
Botou na
Ponta
Pagou
a conta
e
saiu
Mudo.
(BG)

há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky para cima dele
e inalo fumaça de cigarros
e as putas e os empregados de bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder-me o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?
(Charles Bukowski)

“The sun is up
The sky is blue
It’s beautiful
and so are you.”
(John Lennon / Paul McCartney)

[…]

Publicado por: atomenor | maio 4, 2010

Linhas vermelhas

 

Edvard Munch

Linhas vermelhas

Busco nas palavras
Aquilo que o nobre não quis
E o fado
– pesado –
De pobre aprendiz
Me enche de tédio
E de náusea
Quisera eu conseguir
Degustar o lírismo
Da vida!
Por hora
Ardo nesse delírio
Labirinto de espelhos
– SEM SAIDA –
Transformar a dor
Em rima
E a rima
Em fria lâmina
Pronta pra furar a alma
Quando a alma vira flama
E o sangue que jorra
De tal alma, vida
Vez em quando me sorri
E me perco mais ainda
E a dor antiga
Que pensava ser eterna
Se dissolve em mil poemas
Porque sangra a primavera.
(B.G)

– Diga uma coisa, compadre: por que você está brigando?
− Por que há de ser, compadre. – Respondeu o coronel Gerineldo Márquez – Pelo grande partido liberal.
− Feliz é você que sabe disso – respondeu ele. – Eu, de minha parte, só agora percebo que estou brigando por orgulho.
− Isso é ruim – disse o coronel Gerineldo Márquez. […]
“Naturalmente”, disse. ‘Mas em todo caso, é melhor isso que não saber por que se briga’. Olhou-o nos olhos, e acrescentou sorrindo:
− Ou brigar como você, por alguma coisa que não significa nada para ninguém.
(Gabriel Garcia Marquez, Cem anos de solidão)

 

[…]

 

Publicado por: atomenor | abril 29, 2010

Pesos e prazos

 

.

 Pesos e prazos

Seres que carregam pesos
Em mãos
sozinhas
Mãos que queimam os pesos
que carregam
E se grudam
Em nós nas pontas dos dedos
Nós que se proliferam
Indo até a face
Leito morno
Frio da neve
E o peso que carrega
vez em quando é leve
Tanto quanto
Há folhas secas no outono
Como há cor
Na primavera aonde moro.
(B.G)

Tempo tanto

A lua que passa com pressa
No laço do teu encalço
Segue armando em cada traço
Uma linha que se expressa
E conta às vezes
sozinha
Com proeza ou trapaça
As gotas da chuva que passa
Quando enxarca a poesia.
(B.G)

Cem (constatação)

Sou
Tão escravo
Do mundo
Que nem
Dormir
Eu
durmo.
(B.G)

… de manhã
eles estão lá fora
ganhando dinheiro:
juízes, carpinteiros,
encanadores, médicos,
jornaleiros, guardas,
barbeiros, lavadores de carro,
dentistas, floristas,
garçonetes, cozinheiros,
motoristas de táxi…
 
e você se vira
para o lado esquerdo
pra pegar o sol
nas costas
e não
direto nos olhos.
(Charles Bukowski)

…Essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura.
(Charles Bukowski)
 
[…] 
Publicado por: atomenor | abril 27, 2010

Perfume

...but im not the only one

Nos sussuros
De becos
Escuros
Onde passo
Há espinhos
Nas calçadas
– Tropeço de mágoas –
No caminho
Até o chão
Me encontro com o
teu perfume
Paro a queda
Com as mãos
Sangra o espinho
Doce:
Cheiro que entorpece
E some.
(B.G)

“[…]Ela lhe perguntou o que havia do outro lado do mar e ele respondeu:”O mundo”. Para cada gesto dele, a menina encontrou uma ressonância inesperada. A cidade se transformou. Pai e filha se divertiram com os títeres, os engolidores de fogo, as incontáveis novidades da feira que chegaram naquele abril de bons presságios. Buscando fazê-la outra, também ficou diferente, e de um modo tão radical que não pareceu uma mudança de caráter, e sim uma troca de natureza. A casa se encheu de quantas dançarinas de corda, caixas de música e relógios mecânicos se viam nas feiras da Europa. Espanou a tiorba italiana. Encordoou-a, afinou-a com uma perseverança que só o amor era capaz de explicar, e tornou a se acompanhar nas canções de antigamente, cantadas com a boa voz e o mal ouvido que nem os anos nem as turvas recordações tinham alterado. Ela lhe perguntou num daqueles dias se era verdade, como diziam as canções, que o amor tudo podia.
-É verdade – respondeu ele – , mas será melhor não acreditares.”
(Gabriel García Márquez, “Do amor e outros demônios”)

[…]

Publicado por: atomenor | abril 25, 2010

palavras e sons

 

Quino

O ontem

Ontem
Que transformo
Em agora
repetido
Um GRITO
Que se ouve
– Sussuro, gemido –
Palavra:
Cifra
que a poesia
Devora
Amargo do papel
que mastigo
– 24 horas –
Silêncio?
O tempo carrega
Um tanto
Enquanto reciclo
O verbo
Saudade?
O traço padece torto
Algoz
De seu próprio
Verso.
(B.G.)

Hey you
Out there in the cold
Getting lonely, getting old
Can you feel me?

Hey you
Standing in the aisle
With itchy feet and fading smile
Can you feel me?

Hey you
Don’t help them to bury the light
Don’t give in, without a fight

Hey you
Out there on your own
Sitting naked by the phone
Would you touch me?

Hey you
With your ear against the wall
Waiting for someone to call out
Would you touch me?

Hey you
Would you help me to carry the stone?
Open your heart, I’m coming home..”
(Pink Floyd, “Hey you”)

[…]

Publicado por: atomenor | abril 22, 2010

4


Steve Biko, 1946 - 1977

Dúvida

Começo um
(POEMA)
Agora
A qual
Não cabe
Cor
Ou
forma
– Afora, Imã –
Cegado
Incapaz de escrever
– Há algo
melhor que fazer? –
Me encontro
Com a chuva
– Reposta –
Derrama sobre mim
Seu pranto
Penso lento,
Frio encanto
Passo largo,
Verso pronto.
(B.G)

Proeza

Quem diz
que ser poeta 
É fácil
É certo:
Nunca se perdeu
num traço.
(B.G)

Iceberg

“Uma poesia ártica,
claro, é isso que eu desejo.
Uma prática pálida,
três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
Frase, não, Nenhuma.
Uma lira nula,
reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,
a única coisa única.
Mas falo. E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos
(ou enxame de monólogos?)
Sim, inverno, estamos vivos.”
(Paulo Leminski)

Um dia vai ser

pelos caminhos que ando
um dia vai ser
só não sei quando
(Paulo Leminski)

[…]

Publicado por: atomenor | abril 21, 2010

Trôpego

Folhas vivas?

Trôpego

Se num trágico
De repente
A gente se perde
E tudo sacode
Se um ébrio instante

colide com à sorte
Se num trágico
Porém feliz
Haja um final apenas
Onde toda e qualquer parte
Seja coisa tão pequena
Feito mão aberta
Grão ou gota
Pingando poesia
Escorre
pela boca.
(B.G)

No meio daquela algaravia de mercado, um homem muito velho de aspecto inconsolável, com um bom sobretudo de mendigo, tirava as duas mãos dos bolsos e com elas punhados e punhados de pintinhos. Num instante encheram o cais, piando enlouquecidos por todos os cantos, e só por serem animais de magia havia muitos que continuavam correndo vivos depois de serem pisados pela multidão alheia ao prodígio. O mago havia posto seu chapéu de boca para cima no chão, mas ninguém lhe atirou nenhuma moeda caridosa.
A senhora Prudencia Linero estava fascinada pelo espetáculo de maravilha que parecia executado em sua honra, pois só ela agradecia.

(Gabriel García Marquéz, Doze contos peregrinos)

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